No interior rural português, quando o outono entra nos dias curtos e o inverno começa a pousar como geada fina sobre a paisagem, inicia-se um dos gestos mais antigos e mais partilhados por quase todas as aldeias do território: a apanha da azeitona.
Mais do que uma tarefa agrícola, é um ritual identitário. Um tempo de trabalho duro, mas também de encontro, de família, de vizinhança, de histórias que passam de boca em boca enquanto as azeitonas vão enchendo os cestos.
Um dia no olival: o trabalho que se faz em conjunto
Logo pela manhã estendem-se telas no chão, varejam-se os ramos, separam-se folhas e galhos, enchem-se cestos.
Este é um trabalho frio, marcado pelo inverno — dedos gelados, roupa grossa, respiração branca.
Mas a apanha da azeitona, no interior rural português, é sobretudo um momento coletivo.
É comum ver famílias inteiras no olival — avós, pais, filhos, e até amigos — todos a participar, cada um ao seu ritmo.
E, quando o corpo já pede pausa, chega o momento que muitos consideram o mais saboroso do dia:
o farnel comido no campo, simples e quente, partilhado à sombra das oliveiras ou mesmo à mesa.
Do olival ao lagar: onde nasce o “ouro verde”
Depois da colheita, começam as idas aos lagares — espalhados por todo o território, com tecnologias que vão do tradicional ao moderno.
Há lagares que mantêm moinhos antigos e prensas que contam histórias de várias gerações;
há outros que utilizam centrífugas e sistemas contemporâneos com rigor técnico.
O cheiro a azeitona moída e o calor húmido da laboração são elementos comuns em todos.
É ali que a colheita se transforma em azeite, num processo contínuo que mistura engenharia, ancestralidade e artesanato.
E, quando o primeiro fio dourado começa a escorrer, compreende-se porque este momento sempre foi vivido como uma pequena celebração.
A memória do azeite nas Aldeias do Xisto
O azeite marcou profundamente a vida agrícola de muitas aldeias da rede das Aldeias do Xisto.
Lagares antigos — alguns restaurados, outros preservados como espaços de memória — revelam o papel central que o “ouro verde” teve na economia doméstica e no ritmo social do inverno rural.
Em aldeias como Talasnale Candal, no concelho da Lousã, Benfeita, Arganil, e Figueira, Proença-a-Nova, subsistem lagares antigos - alguns recuperados e visitáveis, outros em ruínas – que testemunham épocas em que a produção era comunitária e abastecia dezenas de famílias.
Em Água Formosa, concelho deVila de Rei, o histórico Lagar da Ferrugenta, movido pela força da Ribeira da Galega e dotado de dezenas de tulhas, é um exemplo notável da engenhosidade e importância desta atividade.
Mesmo já sem laboração, estes lugares permanecem como marcos identitários, onde se reconhece uma cultura agrícola que moldou o território.
PR7 CTB – Rota dos Lagares
No concelho de Castelo Branco, o PR7 CTB – Rota dos Lagares conduz-nos por uma das mais marcantes paisagens ligadas à memória do azeite no território. O percurso é circular e tem início em Almaceda, freguesia onde se localiza a Aldeia do Xisto de Martim Branco.
A partir daí, o caminho segue por antigos trilhos rurais que durante gerações ligaram os olivais às ribeiras e aos pequenos equipamentos agrícolas essenciais ao quotidiano da freguesia. Ao longo do percurso surgem os vestígios dos antigos lagares de azeite.
Entre levadas, zonas de cultivo, moinhos, linhas de água e paisagem agrícola, o caminhante percorre o mesmo território onde outrora se varejavam as oliveiras, se transportavam cestos cheios e se trabalhava noite dentro no calor dos lagares.
Tiborna: o sabor da estação
Entre as muitas tradições da ruralidade portuguesa, nenhuma acompanha melhor a produção de azeite do que a tiborna.
Esta é da Sra. D. Marília da Conceição Nogueira, da Aldeia do Xisto de Sarzedas, no Município de Castelo Branco, que deixou a receita no livro “Sabores da Aldeia: Carta Gastronómica das Aldeias do Xisto”.
Basta ter pão de trigo ou broa torrada, sal e claro: o azeite. Depois faz-se assim:
“Corta-se o pão de trigo ou a broa em fatias e põe-se nas brasas. Depois de torradas colocam-se num prato e polvilham-se com sal e barram-se com azeite”.
Durante séculos, esta degustação marcou o final das colheitas e o convívio entre lagareiros, produtores e famílias — e continua, ainda hoje, a ser um dos rituais gastronómicos mais apreciados.
Um ritual que guarda a alma do interior de Portugal
A apanha da azeitona é mais do que a origem do azeite.
É a expressão de uma relação antiga entre a terra e aqueles que a cuidam.
É memória viva, identidade partilhada e um dos mais importantes rituais rurais do país.
Nas aldeias do interior português, cada azeitona apanhada, cada cesto cheio e cada fio de azeite novo é um capítulo renovado desta história milenar.

























































