O estabelecimento deste povoado não será estranho à área de quase planos terrenos agrícolas que se estende na sua frente.
A estrada, de terra batida, chegou à aldeia em 1961. Até esse ano, a circulação de pessoas, animais e bens era feita por meros carreiros pedonais em direção ao Avelar, ao Espinhal e a Figueiró dos Vinhos, locais onde os habitantes iam vender os seus produtos.
A estrada chegou quando a aldeia atingiu o auge do seu crescimento: cerca de 40 casas, muitas delas habitadas por um casal e uma prole imensa de petizes, da qual a seleção natural se encarregaria de escolher os que perpetuariam a vida de sacrifícios dos seus antecessores. Foram as dificuldades - para as quais a estrada constituiu uma porta de fuga - que levaram à partida dos seus habitantes, desde o início da década de 60.
Hoje, com a fixação de novos proprietários com novas ideias, que lhe mudaram o destino, a Ferraria de São João é um caso exemplar de uma aldeia do séc. XXI.
A origem do nome
Muito provavelmente, o nome “Ferraria” estará ligado à existência, no passado, de uma pequena exploração de ferro. “São João” refere-se, ou à Serra de São João, que enquadra a aldeia, ou à existência – na encosta, um pouco acima da povoação – de uma capela dedicada a São João. Serra também, onde, a escassa distância, se encontra a Ermida de São João do Deserto.
Memórias do grande rebanho comunitário
A Ferraria de São João sempre possuiu o seu rebanho comunitário. Os habitantes referem que, na primeira metade do séc. XX, o rebanho tinha mais de mil cabeças, maioritariamente caprinos. Todos os dias, ao raiar da manhã, quando as portas dos currais se abriam, formava-se aquele corpo de mil cabeças que escalava a serra em busca dos pastos. Por cada 15 cabeças que um proprietário possuísse, era obrigado a acompanhar por um dia o rebanho. Se possuísse 30, teria que acompanhá-lo dois dias e assim sucessivamente. Hoje, as 20 a 30 cabeças do rebanho continuam a seguir as mesmas pisadas.
Lobos
Quando, na primeira metade do séc. XX, a aldeia enxameava as encostas da serra com um rebanho de mais de mil cabeças, era um atrativo para as alcateias. Desde os ataques por grandes lobos solitários aos ataques por uma alcateia de sete, em 1940, a memória dos habitantes mais idosos ainda conserva momentos de medo e cólera.
Um baldio curioso
Os cerca de dois hectares onde estão implantados cerca de 200 sobreiros e o conjunto de currais tradicionais, correspondem a um terreno baldio, sendo, por isso, da posse da comunidade da aldeia. Mas os sobreiros não pertencem ao baldio, são propriedade de vários donos. Também os currais que estão no terreno baldio têm cada um o seu proprietário.
Responso
Responso para cortar o cobrão, ainda utilizado na Ferraria de São João. O cobrão é a designação para a zona (Herpes zoster), uma erupção cutânea provocada pelo mesmo vírus que origina a varicela.
É cobra ou cobrão ou sapoulo ou sapolão.
Eu te corto o vão, o são, a raíz do espinhaço e
adiante não vás, atrás não voltes,
onde estás, aí morras.
Este responso deve ser efetuado com um espeto de madeira, previamente afiado com uma faca, fazendo sucessivos sinais da cruz sobre o local de ocorrência do cobrão.
No tempo das gaivotas
As gaivotas - engenhos rústicos utilizados para retirar a água dos muitos poços que existem no vale - correspondem a um símbolo de tempos passados, quando a rega das culturas agrícolas - principalmente a batata e o milho - obedecia ao ritual de força de braços que assegurava a sobrevivência ou garantia alguma riqueza aos habitantes.
Espeleologia
O concelho de Penela é detentor de um património espeleológico significativo. Situadas a sul da nascente do Rio Dueça, e a escassos metros da EN 110, na zona de Taliscas, as Grutas de Algarinho e Talismã são consideradas das maiores grutas do país e bastante visitadas por grupos espeleológicos vindos de todo o lado.
História do concelho de Penela
O concelho de Penela terá sido fundado ainda antes da nacionalidade. Teve o seu primeiro foral em Julho de 1137, concedido por D. Afonso Henriques, sendo portanto um dos Municípios mais antigos do País. A este facto não terá sido alheia a grande importância estratégica de Penela no contexto da reconquista. Tendo em atenção estudos feitos aos vestígios existentes, é de crer que na origem do Castelo de Penela estivesse um Castro lusitano posteriormente aproveitado pelos Romanos aquando da sua conquista, no século I A. C. À história de Penela crê-se estarem ainda associadas as passagens sucessivas dos Vândalos, destruidores da fortaleza construída pelos Romanos; dos Mouros, que tomaram o Castelo de Penela no séc. VIII e das tropas de Fernando Magno (Rei de Leão), tendo a fortificação ficado sob o poder do Conde D. Sesnando, primeiro Governador de Coimbra (depois da Reconquista em 1064), a quem se deve a construção de um forte castelo medieval no interior da fortaleza moura já existente.